Modelo importado da Inglaterra em 1854
Malaposta

Em 1859, a ligação entre Lisboa e Porto através das carreiras da Malaposta fazia-se em 34 horas e passava por 23 estações de muda. Apesar do bom serviço que as diligências prestavam nessa altura, a sua extinção foi irreversível com o aparecimento do comboio, embora se mantivessem em actividade durante mais algum tempo, como atestam os «manuais do viajante» da época.

22 março 2007

A relatividade do tempo

É comum ouvir-se dizer que, agora, o tempo anda cada vez mais depressa, que os meses e os anos se sucedem a uma velocidade vertiginosa. Não se trata, apenas, de escutar a voz dos outros, mas também de sentir na pele essa aparente aceleração da vida. Regra geral, atribuimos a culpa dessa percepção a fenómenos de contornos mal definidos, a que chamamos, por exemplo, ritmo de vida moderno, potencialidades das novas tecnologias ou globalização. Contudo, quem não tiver a memória muito curta ou consulte documentação antiga, verificará que as gerações anteriores já se queixavam do mesmo; os nossos pais e avós passavam a vida a barafustar contra a falta de oportunidade para fazerem aquilo de que mais gostavam. Por outro lado, constatamos que nós próprios não produzíamos o mesmo tipo de queixume quando éramos mais novos nem é comum escutar, hoje, as crianças e os jovens a fazê-lo; vivem na mesma sociedade, mas parece que lá vão conseguindo encaixar as múltiplas actividades na agenda diária; habitualmente, os protestos relacionados com a repartição que fazem do seu próprio tempo surgem na boca dos mais velhos - papás, mamãs, educadores e afins.

Imagem: que queres dizer?

Quero dizer que temos de cavar de Portugal porque o sócras é sempre o culpado de tudo!


Tudo leva a crer, assim, que a percepção que temos da suposta celeridade do tempo tem mais a ver com a fase do ciclo de vida em que nos encontramos do que, propriamente, com a época histórica que se está a viver. Foi ao ouvir António Lobo Antunes, numa entrevista, preciosa, concedida recentemente a Carlos Vaz Marques, que se tornou mais perceptível a explicação do facto. Segundo o escritor - citando um livro antigo do qual não referiu a autoria -, entre uma criança e um adulto a diferença existente na forma de apreender o tempo que passa resulta da conjugação de dois factores. Assim, por um lado, há que levar em conta que, para alguém que tenha, por exemplo, cinco anos de idade, o passar de um ano representa um quinto da vida que já viveu até aí; ora tal fracção é uma parte muito substantiva da existência do indivíduo; mas, para quem tiver cinquenta anos, o mesmo período decorrido constitui uma parcela muito menor da vida já passada; assim, um ano parece ter corrido a galope! Por outro lado, quando ainda somos novos, somos protagonistas de eventos até aí desconhecidos; tudo se apresenta como novidade, não havendo muito espaço para que a rotina se instale; a aquisição progressiva de capacidades, os desafios que nos são colocados e a diversidade de experiências que vamos protagonizando contribuem para que cada fracção do tempo seja enriquecida por novas vivências; ao contrário, à medida que vamos envelhecendo, os nossos percursos de descoberta vão rareando, a actividade torna-se repetitiva, estereotipada, os estímulos afectivos e cognitivos tornam-se menos tempestuosos e a margem para estabelecer projectos futuros vai sendo cada vez mais estreita. Em cada unidade de tempo que se sucede à anterior, a probabilidade de surgirem acontecimentos marcantes em catadupa é cada vez menor.
Não custa admitir que o calendário pareça ser mais curto, quando os últimos dias que passaram não foram substantivamente diferentes dos anteriores; ou seja, é como se, em cada semana, tivessem passado apenas 24 horas...
Em conclusão, sob a forma de recado aos cotas: para que a nossa vidinha não pareça andar tão rápida, há que ter a coragem de nela lançar novidades... Tal não aumenta o tempo de estada por cá, mas faz-nos demorar mais a escrever a autobiografia. Sempre é uma consolação!

Edição:

O autor do Malaposta julga ser seu dever deixar aqui uma referência ao Blog Pensamentos pela atitude louvável e meritória dos seus autores ou FILÓSOFOS, (por que não?) I.P. e H.R., atitude essa que se compreenderá clicando em Leituras no marcador Gavetas de Pensamentos (ou Pensamentos Passados) em geral e nesta em particular.

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5 Comments:

At 22 março, 2007 16:46, Blogger Helder Robalo said...

loooool
Estava a ver o que é que eu tinha feito :p
Obrigado pela referência!
Um grande abraço.

 
At 22 março, 2007 23:58, Anonymous Anónimo said...

Excelente artigo.
Um abraço

 
At 23 março, 2007 16:33, Blogger MGomes said...

Um artigo excelentemete escrito e com uma simpática conclusão final dirigida aos cotas (leia-se, pessoas já de uma certa idade em que rotineiramente o tempo se lhes escapa por memórias e vidas cada vez mais recordadas).
Um Abraço

 
At 23 março, 2007 18:59, Blogger Diogo said...

[à medida que vamos envelhecendo, os nossos percursos de descoberta vão rareando]

É por isso que as trafulhices de Sócrates e os holocaustos de Bush já pouco nos dizem. Parece que foi ontem que a Nato espartilhou e massacrou a Sérvia.

 
At 23 fevereiro, 2011 10:25, Anonymous Anónimo said...

Então agradável este blog parece bem organizado.........bom estilo:)
Amei Continua deste modo !!

 

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