"Roteiro para a ciência"
O presidente da República, depois de visitar dois ou três laboratórios naquilo a que se designou um pouco misteriosamente "Roteiro para a Ciência", não teve a mais pequena dúvida em afirmar que Portugal "tem gente capaz". Sua Excelência lá terá as suas razões para ser tão optimista, uma das quais é decerto a obrigação de ser positivo que decorre do cargo que ocupa, mas a verdade é que mesmo sem sair de casa se pode chegar a essa conclusão. Entre dez milhões que cá estão e os três ou quatro milhões que fugiram, alguém há-de prestar para alguma coisa. Seria uma impossibilidade estatística sermos todos, colectivamente, uma nação de imbecis, e mesmo se a Ciência já demonstrou sem margem para dúvidas que o que hoje é Portugal foi o último refúgio do Homem do Neenderthal, um ramo ligeiramente mais tosco do Homo Sapiens, também é um facto que desde essa remota era já fomos invadidos e povoados por raças de gente perfeitamente capaz de aprender a ler, escrever e contar.
Se fosse necessário - um exercício, aliás, inútil - definir uma única característica dos portugueses, ela não seria sermos ou não "capazes", mas sim sermos ou não resignados. E, uma vez mais, esse exercício também seria inútil. É uma verdade inquestionável que, olhando à nossa volta, para as casas degradadas, para o lixo que as pessoas atiram para a rua, para a falta de gosto e de esmero dos equipamentos públicos, para a lentidão dos serviços e para a falta de entusiasmo com que cada um aborda todas as manhãs o seu dia de trabalho, se poderia concluir que somos não apenas resignados à nossa triste sorte como não nos sobra um bocadinho de energia para tentar fazer melhor. Mas também não é verdade. Há muitos portugueses com energia, com determinação e com capacidade para mudar o seu destino - são, de um modo geral, os que emigram, e que, entre o receio de enfrentar o desconhecido e o medo do país que conhecem, fazem as malas e se vão embora.
Joana Paredes, uma cientista de 28 anos doutorada na Bélgica, entrevistada pelo "Correio da Manhã", definiu perfeitamente a situação: "Todos os dias me sinto tentada a ser mais um cérebro em fuga", disse, "em Portugal não há carreira científica. As empresas não querem empregar doutorados". Seja como for, um doutorado não arranja um bom emprego a menos que tenha um primo influente. A menos que seja realmente "capaz". Mas se for mesmo capas capaz, o melhor que tem a fazer é ir-se embora.
Etiquetas: Política
4 Comments:
Este post resume, de forma explícita e sem rodeios, o porquê da crescente desmotivação dos jovens em seguir as suas carreiras, na mira de objectivos específicos de desenvolvimento e de conhecimento. Até os mais "capazes" se sentem desiludidos porque vêem que o seu esforço e dedicação, em nada os tornará diferentes daqueles que desistiram de estudar bem mais cedo. E se por acaso um qualquer menos "capaz" tiver um amigo influenciável ou um cartão de partido a condizer, ultrapassa sem escrúpulos um "doutorado", ainda que este possua as mais altas credenciais comprovativas da sua capacidade.
Uma realidade deste nosso país, e os que cá andamos remamos quase sempre contra a maré...
Mas desistir é morrer e eu não estou disposto a desistir nunca.
Lutarei até que as forças me deixem por um país melhor.
«o melhor que tem a fazer é ir-e embora».
Mas o Cavaco ainda só lá está à tão pouco tempo! Ainda não teve o tempo necessário para mostrar toda a sua incapacidade.
como fugir da toca de que se gosta? como desertar deste país apesar de tão mal tratado e explorado por uma patranha de sacanas?
raticida nela, não é o espaço que tem culpa.
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