A etapa queimada
No interessante "fresco" que António Barreto pintou sobre nós e que foi apresentado na RTP1, o investigador proferiu uma frase que me deixou em baixo: disse qualquer coisa como "a maioria dos portugueses nasceu depois da década de sessenta". Não tendo qualquer motivo para duvidar da afirmação, restou-me engolir em seco e aceitar o veredicto: faço parte já da minoria dos mais velhos! Contra factos não há argumentos... Não dá para deprimir, mas não deixa de constituir um lembrete para quem como eu tem andado distraído acerca do assunto...
O que verdadeiramente dá que pensar é a particularidade de a minha geração, ao contrário do que sempre acontecera até aí, não ter tido o direito a viver, para o bem e para o mal, a condição de "pessoa madura". Passámos de jovens a velhos... O próprio documento de António Barreto dá indirectamente conta do fenómeno, ao acentuar tão bem as acelerações bruscas que o tempo sofreu em alguns momentos das últimas décadas neste país. E se realço "neste país" tal deve-se ao facto de que, como alguém já afirmou, existe uma geografia do tempo: em boa verdade, a história não corre à mesma velocidade em todos os pontos do planeta: se todos os dias fosse emitido um boletim da metereologia social, dar-se-ia conta do facto com a maior das facilidades.
Aquilo que no resto da Europa foi acontecendo no decurso de décadas após a Guerra, sucedeu em Portugal em meia dúzia de anos. Após a aceleração de Abril aqueles da minha idade que tinham vivido a infância e a adolescência a um ritmo fouxo, foram obrigados subitamente a acelerar a passada para essa coisa a que se chama "idade adulta". Paradoxalmente, quem já era "adulto" não aceitou que adquiríssemos esse estatuto com tanta brevidade, como sempre sucede aliás em todas as gerações: reza a tradição que para esse efeito o que conta é o que está escrito no Bilhete de Identidade... Quando finalmente tudo parecia conjugar-se para que fôssemos integrados na comunidade daqueles cuja voz é ouvida como sendo da ponderação, levámos nova sacudidela, dada agora pelas novas tecnologias, pela globalização e pelo endeusamento da novidade. Vai daí, antes de tempo, fomos sendo passados para a categoria dos fora do prazo, dos precocemente envelhecidos. Resultado: não nos é dado tempo para estarmos na "meia idade".
Cá por mim, recuso-me! Bem sei que sou anterior ao aparecimento da televisão em Portugal, que me lembro da chegada à Lua; é um facto que ouvi pela primeira vez o She Loves You, dos Beatles, ainda antes da puberdade e que pelos microfones da Emissora Nacional fui informado de que Salazar tinha um diferendo com a cadeira (Nota: já nessa altura os primeiros-ministros tinham problemas com algumas cadeiras...).
Mas isso não faz de mim um velho! Ainda não mereço tal estatuto! Ou faz? Pelo menos pertenço à tal minoria... Snif!
Etiquetas: Sociedade
2 Comments:
Apontamento interessante do que se vai passando e sentindo; do desprezo que os poderes políticos desprezíveis vão debitando pelo mal estar do cidadão.
Palavra de honra que não me arrependo do meu empenho...mas, mais novo gastaria as minhas forças noutro país... estes gajos não merecem consideração, cosidero-os insignificantes.
a.castro, gostei do texto. E tens toda a razão em te recusares a passar ao estatuto de "fora de prazo". Ora essa! Querem que nos reformemos aos 65 e descartam-nos aos 50? Concordo com o martelo quando diz que os poderes políticos desprezíveis se estão nas tintas para o mal estar do cidadão... mas alguma vez eles se preocuparam connosco?
Beijinhos.
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